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A (in)exequibilidade de preços para obras e serviços de engenharia de acordo com a nova lei de licitações

Esta é a matéria completa escrita para a revista de circulação nacional, Rodovias & Infra – Comunicação de engenharia, capa 90 anos DER/SP na frente – Os legados e os próximos passos da infraestrutura paulista – 2024.

A partir de 01 de janeiro de 2024, a antiga Lei de Licitações foi revogada, passando a vigorar como único regramento para a realização de licitações públicas a Lei n. 14.133/2021, de modo que a União, Estados, Municípios e Distrito Federal deverão observar as normas gerais de licitação e contratação estabelecidas pela nova lei.

Tal inovação certamente foi criada como forma de tentar afastar, definitivamente, uma problemática que sempre gerou certa polêmica e atormentou a Administração Pública, uma vez que, embora a função do pregoeiro seja a de incentivar os licitantes a realizarem ofertas, dinamizando a disputa, ele não detém competência discricionária para avaliar a viabilidade da execução de certa prestação ofertada por um particular quando atingido o valor reputado como mínimo para a execução do objeto.

Logo, a escolha acerca do limite mínimo de exequibilidade, fundada em avaliações subjetivas, retrataria inevitável juízo arbitrário do pregoeiro, o que seria incompatível com a natureza da atividade administrativa em um Estado Democrático de Direito¹.

Não por outro motivo, o Tribunal de Contas da União, ao debater a alteração trazida pela Nova Lei de Licitações, posicionou-se, em um primeiro momento, no sentido de que “não há que se cogitar da realização de diligências para aferir a inexequibilidade, pois o lance abaixo daquele percentual de 75% já é identificado pela própria Lei como inexequível, devendo a proposta ser desclassificada” (Acórdão n. 2.198/2023 – Plenário).

No entanto, tal posicionamento gerou duras críticas por parte de doutrinadores, servidores da Administração Pública e das próprias empresas participantes dos processos licitatórios, uma vez que a interpretação literal do artigo 59, § 4º, da Lei n. 14.133/2021 conduz à definição de um preço mínimo, contrariando a própria finalidade das licitações públicas, que é a seleção da proposta mais vantajosa, mostrando-se, ainda, incompatível com os princípios do interesse público e economicidade, consagrados pelo artigo 5º da Nova Lei de Licitações.

Além disso, o posicionamento fortemente defendido pelas empresas é que um preço pode ser inexequível para um licitante, mas exequível para outro, pois determinado participante pode ser detentor de uma condição pessoal que lhe permita ofertar preço inferior ao limite de exequibilidade estimado pelo contratante, como, por exemplo, sua capacidade de negociação com fornecedores, economia de escala, regime tributário, custos logísticos, eventuais fontes de receitas alternativas, entre outras questões individuais de cada concorrente.

Do mesmo modo, também não se pode descartar que, muitas vezes, a estimativa de exequibilidade pelo contratante pode apresentar deficiências, visto que sua visão de mercado não tem abrangência e precisão comparáveis às das empresas que atuam no ramo, distanciando-se da realidade econômica e fazendo com que o desafio para os licitantes seja formular seus preços de acordo com orçamentos totalmente incompatíveis com os valores praticados pelo mercado.

Não por outro motivo, o Tribunal de Contas, em 2024, reavaliou seu entendimento inicial, registrando o posicionamento de que “O critério definido no art. 59, § 9, da Lei 14.133/2021 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, sendo possível que a Administração conceda à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade da sua proposta, nos termos do art. 59, § 2, do mesmo diploma legal” (Acórdão n. 803/2024 – Plenário).

Ocorre que, ainda que o posicionamento atual do Tribunal de Contas da União se mostre mais coerente em relação ao entendimento inicial de presunção absoluta da inexequibilidade de propostas abaixo de 75% (setenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração Pública, causa certa preocupação às empresas participantes de tais disputas, colocar nas mãos de servidores, a decisão de classificação das propostas através de uma avaliação subjetiva, ainda que tal análise deva se pautar pelos princípios da razoabilidade, impessoalidade, isonomia e economicidade.

Isso porque, durante a tramitação de um procedimento licitatório, a avaliação aprofundada das circunstâncias – muitas vezes – particulares de cada licitante, que lhe permitem ofertar melhores preços, torna-se totalmente inviável, pois muitas comissões não dispõe de tempo, conhecimento e recursos materiais suficientes para promover diligências orientadas a apurar a viabilidade da execução proposta pelo participante, o que acarreta na desclassificação das melhores propostas apresentadas por empresas idôneas e totalmente aptas a desenvolver e entregar o objeto licitado.

Além disso, a apresentação de notas fiscais de materiais não é capaz de representar a economia que o licitante possa ter em outros custos indiretos — como infraestrutura e mão de obra, por exemplo, partilhados entre outros clientes —, o que permite com que a empresa replique tal condição ao preço proposto ao órgão contratante.

Não por outro motivo, cumpre ponderar outra vertente que deveria ser considerada quando da avaliação da exequibilidade das propostas, qual seja: o histórico do fornecedor detentor da proposta presumidamente inexequível. Isto porque, como é comum que uma mesma empresa consolidada no mercado preste, ao longo dos anos, serviços da mesma natureza aos mesmos órgãos, é de se considerar que, inexistindo quaisquer sanções prévias por inexecução contratual, o risco de descumprimento do objeto por aquele mesmo licitante fica reduzido, dando maior segurança à Administração Pública ao definir pela contratação da melhor proposta, ainda que o preço não esteja inserido na faixa da exequibilidade.

Logo, realizadas as considerações acima, constata-se que a alteração legislativa não resolveu as dificuldades relativas à aferição da inexequibilidade das propostas nas contratações públicas, uma vez que os parâmetros de avaliação da exequibilidade permanecem distantes da realidade econômica e não consideram, por vezes, as condições particulares de cada licitante.

Por fim, depreende-se que, justamente por tal dificuldade, parte da doutrina se alinha ao entendimento de afastar o problema de exequibilidade, ao indicar que a apresentação de propostas inexequíveis é um problema do licitante, que terá que cumprir o objeto com um preço reduzido ou, então, arcar com a aplicação de sanções decorrentes de sua má estimativa dos custos propostos no certame. Vejamos:

“A formulação de proposta inexequível é problema particular do licitante, que deve resolver-se ou através da punição exemplar (quando a proposta não for honrada) ou no âmbito da repressão a práticas de abuso de poder econômico (quando o sujeito valer-se de seu poder econômico para infringir a competição econômica leal). A licitação destina-se – especialmente no caso do pregão – a selecionar a proposta que acarrete o menor desembolso possível para os cofres públicos. Logo, não há sentido em desclassificar proposta sob fundamento de ser muito reduzida. Ao ver do autor, a inexequibilidade deve ser arcada pelo licitante, que deverá executar a prestação nos exatos termos de sua oferta. A ausência de adimplemento à prestação conduzirá à resolução do contrato, com o sancionamento adequado.”

JUSTEN FILHO, Maçal – Pregão – Comentário à Legislação do Pregão Comum e Eletrônico – 6ª Edição, pp.181 – 182.

Portanto, embora haja relevância para todos os argumentos acima apresentados, a grande realidade é que, mais uma vez, quem perde com a imprecisão legislativa e a subjetividade da análise são as empresas idôneas e consolidadas no mercado, que acabam ficando sujeitas a propostas aventureiras ou, então, à desclassificação de suas propostas pela avaliação discricionária de servidores que, por falta de conhecimento, recursos, tempo ou qualquer outra razão, optam por desclassificar fornecedores sólidos no mercado, sem qualquer histórico que coloque em cheque o cumprimento de suas obrigações frente a seus clientes, ao invés de considerar todo o cenário e a possibilidade de atingir aos princípios da economicidade e seleção da melhor proposta.

Matéria escrita por Mariana Pirih Peres da Silva, Gabriele Seffrin e Pedro Peres da Silva.

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